Uma fraude chamada sudário
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Uma fraude chamada sudário
Uma fraude chamada sudário
Ricardo Bonalume Neto
Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 16/08/98
É curioso como certos assuntos não morrem nunca. É o caso de uma fraude medieval, um brilhante feito da malandragem que algumas pessoas insistem em considerar um objeto sagrado. O Santo Sudário exposto em uma igreja em Turim, Itália, não passa de uma pintura bem feita por um artista espertalhão. Mas tem sido venerado como o pano que teria envolvido o cadáver ensanguentado de Jesus de Nazaré, líder de uma seita religiosa judaica e que se dizia filho de Deus.
O que está por trás da nova onda de veneração desse objeto é o fato de ele ter começado a ser exposto à visitação pública, e de o próprio papa ter sido ambíguo em relação a sua autenticidade. Não há nada de rigorosamente novo sobre o Sudário, a não ser especulações de alguns crentes, e a péssima mania dos meios de comunicação de procurarem pêlo em ovo. Para "esquentar" a notícia, os órgãos de imprensa retomaram o assunto enfatizando a possibilidade de o Sudário ser autêntico, naturalmente ouvindo os crédulos de plantão.
Curiosamente, a Bíblia não fala de um Sudário, mas de vários panos que teriam envolvido o líder dos que depois seriam chamados de cristãos.
O Sudário já foi alvo de pesquisas científicas anteriores _que mostraram que ele datava da Idade Média. Mostrou-se até mesmo que as manchas não eram de sangue, mas de um pigmento de tinta. Algumas conclusões são até mesmo óbvias. Quem já manchou uma camisa com sangue sabe que a mancha fica marrom, não vermelha. Mas o Sudário é de um vermelho vivo.
Ou veja a própria posição do corpo, que dificilmente deixaria as manchas que ali estão. Basta ver a posição nada natural dos cabelos ou das orelhas. É claro, se você acha que é um milagre, nenhum argumento racional vai convencê-lo do contrário.
Há quem diga que "acharam DNA" no Sudário. E daí? Material genético tem em toda a parte, qualquer célula humana tem o seu DNA. A coisa mais comum é haver contaminação nesses testes que buscam detectar quantidades pequenas do material. Só espero que não digam que é o DNA de Jesus. E se alguém sugerir clonar o homem?
Era comum haver relíquias desse tipo na Idade Média, especialmente depois das Cruzadas a Jerusalém. Havia tantos pedaços de madeira da "verdadeira cruz" que daria para construir um navio. Só Sudários, a história registra uns 40, diz Joe Nickell, autor de um livro cético sobre o pano de Turim (infelizmente, no Brasil as editoras só traduzem as bobagens místicas, quando o livro de Nickell seria mais conveniente).
O documento mais interessante ligado ao Sudário é uma carta de um bispo medieval, reclamando do uso que estava sendo feito do pano por alguns malandros. O bispo francês Pierre D'Arcis, nessa carta de 1389, já dizia que alguns ladrões se aproveitavam do sudário para "roubar as bolsas dos peregrinos". E o bispo também dizia que ele tinha sido obra de um artista local.
É pena que ele não mencionou o nome do artista, que mereceria ser lembrado nos livros de história da arte, e não nos de religião. Mas mesmo que ele tivesse dado o nome e o RG do sujeito, ainda haveria uma revista "Time" dando destaque para esse pedaço de pano pintado.
Nickell afirma que certa vez uma mulher lhe disse que o importante não era saber se o Sudário era verdadeiro ou não. O que importava era que ele ajudava a trazer devotos para a igreja. "Madame, a senhora me assusta", disse Nickell para a maquiavélica católica.
Ricardo Bonalume Neto
Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 16/08/98
É curioso como certos assuntos não morrem nunca. É o caso de uma fraude medieval, um brilhante feito da malandragem que algumas pessoas insistem em considerar um objeto sagrado. O Santo Sudário exposto em uma igreja em Turim, Itália, não passa de uma pintura bem feita por um artista espertalhão. Mas tem sido venerado como o pano que teria envolvido o cadáver ensanguentado de Jesus de Nazaré, líder de uma seita religiosa judaica e que se dizia filho de Deus.
O que está por trás da nova onda de veneração desse objeto é o fato de ele ter começado a ser exposto à visitação pública, e de o próprio papa ter sido ambíguo em relação a sua autenticidade. Não há nada de rigorosamente novo sobre o Sudário, a não ser especulações de alguns crentes, e a péssima mania dos meios de comunicação de procurarem pêlo em ovo. Para "esquentar" a notícia, os órgãos de imprensa retomaram o assunto enfatizando a possibilidade de o Sudário ser autêntico, naturalmente ouvindo os crédulos de plantão.
Curiosamente, a Bíblia não fala de um Sudário, mas de vários panos que teriam envolvido o líder dos que depois seriam chamados de cristãos.
O Sudário já foi alvo de pesquisas científicas anteriores _que mostraram que ele datava da Idade Média. Mostrou-se até mesmo que as manchas não eram de sangue, mas de um pigmento de tinta. Algumas conclusões são até mesmo óbvias. Quem já manchou uma camisa com sangue sabe que a mancha fica marrom, não vermelha. Mas o Sudário é de um vermelho vivo.
Ou veja a própria posição do corpo, que dificilmente deixaria as manchas que ali estão. Basta ver a posição nada natural dos cabelos ou das orelhas. É claro, se você acha que é um milagre, nenhum argumento racional vai convencê-lo do contrário.
Há quem diga que "acharam DNA" no Sudário. E daí? Material genético tem em toda a parte, qualquer célula humana tem o seu DNA. A coisa mais comum é haver contaminação nesses testes que buscam detectar quantidades pequenas do material. Só espero que não digam que é o DNA de Jesus. E se alguém sugerir clonar o homem?
Era comum haver relíquias desse tipo na Idade Média, especialmente depois das Cruzadas a Jerusalém. Havia tantos pedaços de madeira da "verdadeira cruz" que daria para construir um navio. Só Sudários, a história registra uns 40, diz Joe Nickell, autor de um livro cético sobre o pano de Turim (infelizmente, no Brasil as editoras só traduzem as bobagens místicas, quando o livro de Nickell seria mais conveniente).
O documento mais interessante ligado ao Sudário é uma carta de um bispo medieval, reclamando do uso que estava sendo feito do pano por alguns malandros. O bispo francês Pierre D'Arcis, nessa carta de 1389, já dizia que alguns ladrões se aproveitavam do sudário para "roubar as bolsas dos peregrinos". E o bispo também dizia que ele tinha sido obra de um artista local.
É pena que ele não mencionou o nome do artista, que mereceria ser lembrado nos livros de história da arte, e não nos de religião. Mas mesmo que ele tivesse dado o nome e o RG do sujeito, ainda haveria uma revista "Time" dando destaque para esse pedaço de pano pintado.
Nickell afirma que certa vez uma mulher lhe disse que o importante não era saber se o Sudário era verdadeiro ou não. O que importava era que ele ajudava a trazer devotos para a igreja. "Madame, a senhora me assusta", disse Nickell para a maquiavélica católica.
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